domingo, 6 de novembro de 2011

Personagens, tempos e costumes


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Dom Genival Saraiva

Bispo de Palmares - PE

“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas? Ó tempos, ó costumes!”

Este texto, extraído das Catilinárias de Cícero, fazia parte do estudo da língua latina, em Seminários e Liceus, “nos anos 30, 40 e 50”, anos do “ ‘velho’ e ‘bom ‘ ensino secundário”, nos cursos ginasial e colegial (clássico e científico). Cícero, inigualável tribuno romano, moveu Catilina a admitir seus erros: “É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia.” Proferiu suas “invectivas” contra Catilina, também Senador, diante dos abusos e conspirações que praticava em Roma. “Se Catilina permanecia no Senado, não era apenas a vontade própria que o sustentava, mas sobretudo a cumplicidade dos que teriam a perder, com a renúncia dele, proveitos políticos.” Daí a exclamação de Cícero: ‘Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso?’ ” “Oh tempora, oh mores” (Ó tempos, ó costumes!)
A indignação verbalizada do tribuno romano, contra personagens e costumes de seu tempo, ecoou, ao longo da história. Com efeito, sempre houve pessoas e instituições que se tornaram paladinas da cidadania e da justiça, diante de condutas de indivíduos e de costumes da sociedade, incompatíveis com a dignidade humana e o direito das pessoas. Também hoje identificam-se personagens e registram-se fatos na sociedade que continuam abusando “da nossa paciência”, dado que seus costumes ferem o direito dos cidadãos. Felizmente, Cícero continua tendo seguidores: há políticos sérios, gestores honestos, cidadãos conscientes; há instituições públicas de defesa da ordem jurídica e da cidadania, bem como entidades privadas e associações civis que têm seu olhar vigilante em torno da prevalência da ética e da verdade. A imprensa livre faz a leitura e é a voz da sociedade, ao registrar fatos que enaltecem ou denigrem a vida do povo. Graças aos recursos da telecomunicação e à versatilidade da internet, a tribuna de Cícero no Senado Romano transformou-se numa tribuna “urbi er orbi” (para a cidade e para o mundo).
Não obstante a presença e ação educativa dessas pessoas e instituições, avoluma-se, no Brasil, o registro de casos de corrupção, tendo como personagens empresários e autoridades da União, Estados e Municípios. Seguidamente, vêm à tona casos de corrupção, dada a ânsia de ganhos financeiros desmesurados, por parte de seus protagonistas. No âmbito do poder público federal, acontece mais um escândalo de desvio de recursos públicos no Ministério do Esporte que provocou mais uma demissão de Ministro; a iniciativa privada também patrocina a corrupção, como o caso da importação de lixo hospitalar, proveniente dos Estados Unidos, e venda no Nordeste e em outras Regiões. Como Cícero, a sociedade deve gritar: “Ó tempos, ó costumes!” E, atônita, deve continuar se perguntando e interpelando os seus cidadãos: “Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso?”

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Reflexão

Todas as pessoas costumam falar em justiça ,mas para a maioria delas o fundamento dessa justiça são princípios e valores humanos, principalmente o que está escrito nas leis. Para nós cristãos, esse critério não é suficiente para entendermos verdadeiramente o que é justiça. Não é suficiente em primeiro lugar porque nem tudo o que é legal, é justo ou moral, como por exemplo a legalização do divórcio, do aborto ou da eutanásia. Também devemos levar em consideração que todas as pessoas, embora sejam seres naturais, possuem um dom de Deus que faz delas superiores à natureza, participantes da vida divina, e como Deus é amor, o amor é, para quem crê, o único e verdadeiro critério da justiça

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