Brasília, 05/11/2012
Saúdo a todos e todas com a lembrança da Carta de São João lida na liturgia católica no dia de ontem: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos” (1Jo 3,1). Irmãos e irmãs. Sejam todos bem vindos. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB agradece a presença de todos e todas a este Seminário que nos permite aprofundar o diálogo sobre a relação Estado e Sociedade.
Uma palavra de gratidão a todas as pessoas e entidades que possibilitaram esse seminário. Muito obrigado em nome de muitas entidades necessitadas de nossa ajuda e solidariedade.
Serve de base ao diálogo nesse seminário a iminente proposta de regulação que a Presidente Sra. Dilma Vana Rousseff apresentará ao Congresso Nacional estabelecendo as relações do Estado com as Organizações da Sociedade Civil. Queremos, com este Seminário, dentre outros objetivos, estabelecer propostas e apresentá-las ao Governo a fim de que ajudem a construir um Marco Regulatório que atenda plenamente às Organizações da Sociedade Civil.
Sabedores que somos das discussões realizadas e das propostas elaboradas no diálogo entre o Governo e a Sociedade desejamos, com o presente seminário, dar prosseguimento ao diálogo, à apresentação de propostas nessa relação das Organizações Sociais e o Estado. Vale salientar que o Estado existe porque existe o cidadão, isto é, as pessoas que deixam ser e dão razão ao Estado existir.
O Estado, sabemos todos, tem a tarefa de atender a toda a sociedade na busca da justiça e do bem comum. A realidade o desafia com demandas e situações das mais diversas tanto de ordem política e social, quanto econômica, cultural. A Igreja Católica e, creio, também as demais Igrejas irmãs aqui presentes, “não tem soluções técnicas para oferecer e não pretende de modo algum imiscuir-se na política dos Estados; mas tem uma missão ao serviço da verdade para cumprir, em todo o tempo e contingência, a favor de uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação” (Caritas in Veritate, 9).
As organizações da Sociedade Civil em geral e das Igrejas em particular desempenharam e ainda desempenham, ao longo da história brasileira, importante papel na transformação da realidade das populações e na construção da democracia e da justiça social. Especificamente em relação à atuação das Igrejas, a opção e o compromisso pela busca de uma nova realidade para as populações mais pobres, motivaram inúmeros grupos e comunidades a ela vinculados a se empenhar para que sejam criadas condições de mudança efetiva na vida do nosso povo, com a conquista de direitos e acesso aos bens e riquezas da nação, além da redução da desigualdade e da construção de espaços de felicidade e bem viver para todas as pessoas.
Em muitos locais e ambientes, as organizações sociais e de Igrejas encontram-se mais perto e têm mais condições de intervir em favor dos mais pobres do que as estruturas do Estado. Seu comprometimento com as populações mais necessitadas as torna mais aptas a buscar soluções para problemas e desafios sociais. Para realizar este importante papel de promoção e transformação social, no entanto, precisam ser apoiadas e ter sua atuação facilitada. Seria lamentável que fossem substituídas pela burocracia ou pela utilização de recursos mediados por poderes que nem sempre estão exatamente inseridos numa perspectiva de promoção da cidadania.
A atuação das organizações sociais e das Igrejas tem enfrentado dificuldades que comprometem seu trabalho e sua própria existência. Entre estas dificuldades encontram-se condições complexas de regulação da relação Estado e Sociedade para o acesso a recursos públicos, bem como o cumprimento de inúmeras obrigações que esta relação acabou por incorporar, tanto no que se refere à necessidade de transparência da utilização dos recursos como pela dificuldade de setores do Estado de compreender e criar melhor ambiente para o desempenho do papel essencial dessa contribuição.
De modo particular desejamos citar, por um lado, a prática de várias áreas técnicas, administrativas e de controle (interno e externo) do Estado que adotam uma postura de desconfiança e resistência ao diálogo com entidades conveniadas e, por outro, a imensa dificuldade no cumprimento de exigências que são mais adequadas a empresas de capital ou a estados e municípios, com grande infraestrutura e pessoal do que a pequenas organizações que mobilizam voluntários.
É fundamental, portanto, que a legislação que define as formas e implementação da relação Estado e Sociedade seja adequada e específica, em consideração ao papel necessário da organização social na construção da cidadania para todas as pessoas e para consolidação de uma Democracia cooperativa em nosso país, com justiça e igualdade. As Organizações da Sociedade Civil e, por isso mesmo das Igrejas, de modo particular as Pastorais Sociais, têm a responsabilidade de fazer um trabalho social essencial, sem jamais buscar benefícios para si mesmas. Por isso, a observação da relação deveria se balizar pelos resultados na conquista da justiça social, facilitando sua atuação com condições mais adequadas, correspondentes ao apoio ao seu funcionamento. Isso implica manutenção de equipes liberadas, inexigibilidade de contrapartida, prestações de contas simplificadas e calcadas no compromisso com as populações e possibilidade de participação dos setores populares e de mais baixa renda na execução de políticas, sem critérios que os excluem da participação de editais e acesso aos recursos.
Lamentamos que ainda exista, por parte de setores de nossa sociedade, a criminalização de várias organizações sociais. Incorrem neste risco determinados setores do Estado ao exigirem a revisão de prestação de contas de 10, 15 ou 20 anos, tendo como parâmetros regras atuais, sem considerar a situação da época em que foi realizada a atividade conveniada e sem perspectivas que, em determinado momento, a questão da prestação de contas se encerre em definitivo. Pesa ainda mais o fato de que as normativas são de caráter particular e diferentes em cada Ministério, trazendo imensos problemas de gestão, custos com prestações de contas diferenciadas e redução da atuação social em função do atendimento à burocracia.
Nesse sentido podemos lembrar que cerca de 2.100 entidades já foram citadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) para o recolhimento de tributos porque desenvolveram ações de defesa de direito, cuja comprovação material não foram aceitas. Essas entidades correm o risco de fechar e até de entregar o patrimônio ao Estado.
Vemos, por isso, com muita expectativa a construção de um novo marco regulatório da relação Estado e Sociedade, que este Seminário pretende debater. Para responder às expectativas tanto do Governo quanto das Organizações da Sociedade Civil, é necessário ouvir a todos, também grupos sociais pertencentes a populações de baixa renda e economicamente frágeis ou marginalizados como catadores de material reciclável, agricultores familiares, egressos do sistema penitenciário e da área de saúde mental, quilombolas e comunidades indígenas, e garantir sua participação através de suas organizações e cooperativas.
O papa Bento XVI nos recorda que o Estado deve abrir-se cada vez mais à participação da sociedade. Diz o papa: “Um Estado, que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim das contas uma instância burocrática, que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor — todo o homem — tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda” (Deus Caritas Est, 28).
Somos entidades religiosas da sociedade civil que atuam no cuidado dos pobres e na defesa do direito das pessoas necessitadas, não necessariamente só aquelas empobrecidas. Temos servido às pessoas em situação de vulnerabilidade ou risco social. Nosso trabalho e luta nasceu da provocação da ameaça de setores da política pública de assistência social de descaracterizar as ações de solidariedade social como oferta de ações pastorais e de defesa do direito que não se enquadram na matriz de assistência social.
É neste contexto que se inserem tanto as organizações da sociedade civil, quanto as organizações religiosas. Seu passado testemunha o quanto têm sido imprescindíveis na construção de uma sociedade em que se eliminem as desigualdades e sejam respeitados o direito e a dignidade da pessoa humana, especialmente os mais vulneráveis.
É preciso, portanto, avançar e não permitir recuos nas várias instâncias que propiciam essa participação como os Conselhos, Fóruns e outros mecanismos de participação popular com vistas à definição das prioridades públicas e ao controle e transparência na execução das políticas e do uso dos recursos, especialmente nos estados e municípios.
Este Seminário, certamente, reforçará o caminho do diálogo da Sociedade Civil e das organizações vinculadas às Igrejas com o Estado, facilitando sua nobre tarefa de contribuir na construção de uma nova sociedade, justa, fraterna e solidária.
A sociedade justa não é unicamente obra da Igreja, recorda-nos Bento XVI. Temos consciência de que ela deve ser realizada pela política. “Toca, porém, à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem” (Deus Caritas Est). Esta é nossa disposição neste Seminário.
Muito obrigado pela presença. Sejam bem-vindos e bom e frutuoso trabalho a todos e a todas!
Secretário Geral da CNBB
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