segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A herança do passado

Dom Dadeus Grings

A herança do passado

Dom Dadeus Grings
Arcebispo Emérito de Porto Alegre (RS)

Prescindindo de qualquer ideologia, que pretendesse traçar uma linha mais ou menos coerente para a caminhada humana ao longo dos tempos, podemos constatar fatos e costumes, que marcaram cada época, assim como podemos descrever os acontecimentos mais importantes que marcaram nossa própria vida. Se alguém não consegue vislumbrar ali uma coerência nem uma seqüência lógica, não importa. O importante é reter estes eventos e viver à sua luz, para compreender o momento atual sem repetir os erros do passado nem deixar de aprender suas lições. Quando esquecemos o passado não conseguimos facilmente aceitar o presente, tanto o próprio como dos outros.

De tudo o que passou, alguma coisa sempre fica. São Paulo chega a garantir que o tempo presente tem um peso de eternidade.
Mas como foi o passado? Eu já fui criança. Isto significa que vivi como criança, brinquei como criança, me relacionei como criança, pensei como criança, amei como criança... E disto não me arrependo! Também já fui jovem e fiz tudo isto como jovem. Fui adulto, o que marcou igualmente toda a minha ação. E agora sou idoso. Devo, pois, pautar minha vida pela condição de idoso, deixando para trás as demais idades, que já passaram, mas que me ajudam, também hoje, a conviver com as pessoas que nelas se encontram. Nelas descubro-me novamente criança, jovem, adulto e idoso. Mas com a experiência de idoso.
A humanidade passou por diversas épocas, que os especialistas delimitam: uma antiga, outra medieval, a terceira moderna e a quarta contemporânea. Sem pretender especificar cada uma, basta dizer que, numa época, o ser humano era apreciado, prevalentemente, por sua bravura e seus feitos nos campos de batalha; em outra pela nobreza de seus gestos e pela apresentação; em outra pela capacidade artística; em outra por suas iniciativas e invenções...
Sabemos que o ser humano é essencialmente social. Molda sua vida de acordo com os critérios da época. Neste sentido, tendo-se superado a época militar, das guerras de conquista, se passa para um regime de democracia, onde as pessoas valem por aquilo que são e não pela força que ostentam. Apreciam-se mais os dotes da inteligência que as habilidades físicas; mais as atitudes de generosidade que os impulsos de domínio; mais a delicadeza que a arrogância. Neste sentido, nossa época apresenta valores mais apreciáveis que no passado. Ser civilizado é ser cortês, polido, dotado de boas maneiras.
Nos antigos colégios se atribuíam cinco notas aos alunos, além do que colhiam nos exames de cada disciplina escolar: comportamento, aplicação, ordem, civilidade e pontualidade. Cada aluno começava com um crédito de 10 pontos nestas atitudes. Na medida em que ia falhando, perdia pontos. Viver como bom aluno significava obter 10 em todas. O resultado em cada disciplina, ao invés, era medido por exames, com a respectiva nota, que também começava com 10, subtraindo-se pontos por erro cometido. Era mais fácil tirar 10 em atitudes do que em aprendizado. 10 em aplicação não significava 10 em cada disciplina. Isto dependia do aprendizado realizado.
Aprendemos que ser urbano é ser asseado. Era o contrário do rural, que ia para a roça, com roupa de semana, remendada e suja. Só aos domingos usava roupa domingueira e caprichava mais na comida. Desapareceu de nosso cenário o contexto rural. Mesmo nas fábricas a roupa denota cuidados. É condição social. A convivência tornou-se mais polida, o que equivale a dizer que é mais civilizada. O lixo tem seu recipiente próprio, que não é nem o assoalho, nem a rua, nem o córrego.
Vivemos numa época em que, a partir de 1948, soa a “Declaração dos Direitos Humanos”, um dos mais belos poemas da humanidade, em prol da vida de cada ser humano. Precisa ser declamado cada dia, na vida prática.

http://www.cnbb.org.br/artigos-dos-bispos-1/dom-dadeus-grings/17175-a-heranca-do-passado

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Reflexão

Todas as pessoas costumam falar em justiça ,mas para a maioria delas o fundamento dessa justiça são princípios e valores humanos, principalmente o que está escrito nas leis. Para nós cristãos, esse critério não é suficiente para entendermos verdadeiramente o que é justiça. Não é suficiente em primeiro lugar porque nem tudo o que é legal, é justo ou moral, como por exemplo a legalização do divórcio, do aborto ou da eutanásia. Também devemos levar em consideração que todas as pessoas, embora sejam seres naturais, possuem um dom de Deus que faz delas superiores à natureza, participantes da vida divina, e como Deus é amor, o amor é, para quem crê, o único e verdadeiro critério da justiça

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